Interview with Cadu Oliveira on LGBTQIA+ organizing in São Paulo #LPW2020
LTIH: You have been involved with LGBT and HIV activism for some time now. How long have you been doing this in São Paulo?
CO: My trajectory with activism began from 1996 to 2007, in Jundiaí, with people who have lost their homes. At this point, matters such as HIV/Aids and drug abuse were already present in my life. It was in this scenario that I began to act in intersectional militancy, although it was still less centralized on LGBTs and, instead, oriented towards this population’s more structural conditions. However, I had already done research for LGBT news outlets, notedly for SuiGeneris Magazine.
Around 2002, I got closer to the LGBT Community, still only as a participant, not as a militant. In this movement towards belonging, I began to observe the inequalities and asymmetries found in gender, race, class, and the performance of gender and sexuality.
After spending some time away from these issues, in 2012, I began to participate in a reflexive group of people living with HIV/Aids (PLWHA), in a discussion that was focused on HIV/Aids Sexuality. It was the group Somos at Vila Mariana in São Paulo. At this point, I took a more political position on HIV/Aids and sexualities, which matured through my participation in Revolta da Lâmpada between 2014 and 2019, when I began to consider political intersections present in my own body, what it means to be a positHIVe black fag in Brazil, as well as in the context of a masculine, white, heteronormative, and very colonized movement. It is a movement that claims to have been influenced by StoneWall in 1969, although we were, during that same time, going through the worst moment of the Brazilian Military Dictatorship, and little of this Revolt reached the Movement until the beginning of the 80s. Currently there is Queer Theory, which is very academic and centered around Spanish authors (while one should mention how they were responsible for the colonization of a great portion of our Latin America), as well as from the United States (responsible for the current ideologic, economic, and cultural colonization).
It was in the spirit of this moment in 2014, after the 2013 manifestations and a rise in identity movements, that I began to think about the impacts of these intersectionalities inherent to my body, in my access to the city, in my militancy, and in my full right.
Minha trajetória com ativismos começa em 1996 até 2007 em Jundiaí com as pessoas em situação de rua, ocorre que já nesse momento já estavam presentes questões como HIV/Aids e uso abusivo de drogas. Então nesse cenário começo a atuar numa militância interseccional, ainda que menos centralizada em LGBTs e mais voltadas para essas condições mais estruturais nessa população. Embora já fizesse uma pesquisa na imprensa LGBT, notadamente a revista SuiGeneris.
Por volta de 2002 me aproximo à Comunidade LGBT, ainda como participante, não como militante. Nesse movimento de pertença começo a observar as desigualdades e assimetria de gênero, raça, classe, performance de gênero e sexual.
Por um tempo passo afastado dessas questões e em 2012 passo a participar de um um grupo reflexivo de pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA). A discussão era pautada em Sexualidade HIV/AIDS, era o grupo Somos na Vila Mariana em São Paulo. Nesse momento tomo uma posição mais política em HIV/Aids e sexualidades, que amadurece na minha participação nA Revolta Da Lâmpada entre 2014 e 2019, quando comecei a considerar as intersecções políticas presentes em meu corpo, o que significa ser uma bixa preta positHIVa no Brasil e no contexto de um movimento masculino, branco e heteronormativo, muito colonizado, que se declara influenciado por StoneWall em 1969, ainda que por estarmos na ocasião no pior momento da Ditadura Militar Brasileira, pouco se chegou dessa Revolta para o Movimento até o inicio dos anos 80, e contemporaneamente pela Teoria Queer , muito acadêmica e centrada em autores espanhóis (cabe salientar que eles foram responsáveis pela colonização de boa parte da nossa América Latina) e estadunidenses (responsáveis pelo colonização ideológica, econômica e cultura atual).
Foi nesse espirito do momento em 2014, após as manifestações de 2013 e num crescente dos movimentos identitários, que começo a pensar nos impactos dessas interseccionalidades inerentes ao meu corpo nos meus acessos a cidade, na minha militância e no meu pleno direito.
LTIH: We are now in a specific context, under Bolsonaro’s government, with new urgencies and intensities rising in the work that you do. Could you tell us a little bit about your activist work in this current scenario?
CO: In my reading, there was a great change in the growth of the conservative section of society, and its approximation with an ideology of extreme right, that is conservative, retrograde, and reactionary.
When we spoke of 2013, it was a political mark both for the left as well as for the right. Now, as we have had progressive governments in the last few years, from a left-wing party, the right spectrum began to feel neglected in their values, and drifted towards an extreme position as a response.
There already existed some discontent in this group, that is conservative in its moral agenda, retrograde with regards to access to rights, and reactionary in the maintenance of class privileges due to the growth of social and identity movements. The federal and state elections in 2018 were the materialization of this feeling, which makes it more difficult to promote debates that involve male-hegemonic experiences, and demands a change in strategies of mobilization. It was a direct attack on everything that we had been developing, and disrupted the fortification that movements had been going through since the Redemocratization.
There is a repositioning in the discussion due to the reclaiming of womanhood, blackness, dissident masculinities and femininities, and the acronym LGBTQIA+, which obviously interferes in the militancy and in the work that I have been developing.
However it is not a battle won for the fascist social forces, since we are still in the dispute of narratives and, our resistance (I don’t mean in it in every detail, because we have daily fake news and smoke screens) is fundamental, in the agenda of movements that are considered relevant and that involve partner movements for potential.
Denouncing things is also important as it marks the historic moment in which we live. I participated with Eduardo Santos in the chapter “Digressions on a Queer Experience” in the book “Sexual Metaphysics. Cannibalism and the devouring of Paul B. Preciado in Latin America”, in which I made exactly this analysis of the current juncture of intersectional militancy.
Na minha leitura, houve uma grande mudança com o crescimento de uma parcela conservadora da sociedade e sua aproximação de um ideario de extrema direita, conservador, retrógrado e reacionário.
Quando falamos em 2013, foi um marco político tanto para o campo da esquerda quanto da direita, ocorre que por estarmos num momento de governos progressistas e nos últimos anos de um partido de esquerda, o espectro de direita ficou se sentindo negligenciado em seus valores e parte para uma posição extrema como uma resposta.
Já existia um descontentamento desse grupo que é conservador em pautas morais, retrógrado nos acessos aos direitos e reacionário na manutenção de privilégios de classe por causa do crescimento dos movimentos sociais e identitários. As eleições federais e estaduais de 2018 são a materialização desse sentimento, o que torna mais difícil promover alguns debates que envolvem vivências não hegemônicas e exige mudança nas estratégias de mobilização. O que foi um ataque direto a tudo o que estávamos desenvolvendo e que desestrutura o fortalecimento que os movimentos tiveram a partir da Redemocratização.
Há um reposicionamento na discussão das reinvindicações das mulheridades, negritudes, masculinidades dissidentes, femininos e do acrônimo LGBTQIA+, o que, por óbvio, interfere na militância e no trabalho que eu estou desenvolvendo.
Porém não é um jogo ganho para as forças sociais fascistas, já que ainda estamos em disputa de narrativas e nossa resistência (não digo em cada detalhe, porque diariamente vemos fake news e cortinas de fumaça), nas pautas que os movimentos considerarem relevantes e que envolvam movimentos parceiros em potencial é fundamental.
A denuncia também é importante na medida que marca o momento histórico em que vivemos. Participei com Eduardo Santos do capitulo “Digressões sobre uma experiência queer” no livro” Metafísicas sexuais. Canibalismo e devoração de Paul B. Preciado na América Latina” fazendo exatamente essa análise da conjuntura atual para a militância interseccional.
LTIH: An important work in São Paulo involves access to medication. Do you know who or what activist groups are working with this? Could you tell us a little bit about groups with whom you work or have worked?
CO: Indeed, access to medication is fundamental, as it involves the maintenance of lives living with HIV/Aids.
In the beginning of the epidemics, the distance between the diagnostics of HIV and falling ill with Aids was much smaller and the number of deaths was very high. During that time, medicine was too expensive and their variety too little, so even if you had enough acquisitive power to buy them, you could have problems with reverse or counter-productive collateral effects, if you were not able to adapt to them.
The gratuity represented a mark in the confrontation with HIV/Aids in Brazil, as it gave treatment to people who have been historically excluded in the health system, and who therefore have a greater risk of death. What happens today with the scrapping of the SUS (Sistema Único de Saúde) and of Public Health, is that it is more probable that more places will be out of medications, because in some regions they are already out, and even in large centers, complementary treatments such as psychiatric medication, are already being neglected. Some groups have done this confrontation, and they are, in their different characteristics: Coletivo AMEM, Loka de Efavirenz, Pela Vida, GIV, and Rede de Jovens SP+. Although this confrontation is urgent, in my understanding, it is not enough, because we need public policies that guarantee universal access to treatment. You can have a wonderful NGO supporting the cause, which means immensely for the movement, but its work has to be backed up in the municipality’s, the state’s, and the nation’s public policies.
In my experience in collectives and in social movements, I have noticed that they are subject to the changes in society, to its participants, interests, and even to being extinct. When these changes occur, there can be an alteration in the activist goals of the group, and this is legitimate and necessary, while public policies remain relatively perennial, regardless of whether we have less social organization. Evidently, the larger the organization, the greater is the insurance of rights, but these cannot depend only on social events. My militant process also contains the seasonality of my immediate interests. I have already worked in acts with ArtsEverywhere, the Platform Explode!, in Jundiaí with Cume, more recently in Akuenda, in Homens Que Sentem, and I was also a participant in Revolta da Lâmpada. All of these experiences have framed my militancy, but as I said, we stay in a collective according to the interest we have in our own claims. A collective forms out of people with various characteristics, with new people who join and who leave the group, and on its interests and activities.
My role in militancy departs from a reflection of my own experiences, which is why it is natural that it may change. For example, my interest in talking about my blackness and homosexuality is different, even because these identities are already present in my body and are influencing how I speak and how I am heard. I feel more motivated to talk about politics, masculinities, HIV/Aids. Departing from this personal experience, I understand that collectives go through processes of change, and that this is fundamental for them, to be aware of their own contemporaneity. Permanence in them takes place through transits, which are favorable to the oxygenation of militancies. Because the tighter the group is, the more it can read the society that it represents.
Realmente, o acesso às medicações é fundamental pois envolve a manutenção das vidas vivendo com HIV/Aids.
No princípio da epidemia a distância entre o diagnóstico para HIV e o adoecimento pela Aids era muito menor e o número de mortes era muito grande. Naquela ocasião as medicações eram muito caras e sua variedade muito pequena, portanto, mesmo que você tivesse poder aquisitivo suficiente para comprá-las, ainda poderia ter problemas de efeitos colaterais reversos ou contraproducentes se não se adaptasse a elas.
A gratuidade representou um marco para o enfrentamento ao HIV/Aids no Brasil, à medida que deu tratamento para pessoas historicamente excluídas do sistema de saúde, e portanto em maior risco de morte. O que acontece hoje com o sucateamento do SUS e da Saúde Pública é que há uma possibilidade grande de que as medicações comecem a faltar em mais lugares, porque em algumas regiões já está faltando, e mesmo nos grandes centros os tratamentos complementares como a medicação psiquiatra está sendo negligenciada. Alguns grupos que têm feito esse enfrentamento, com suas diferentes características, são: Coletivo AMEM, Loka de Efavirenz, Pela Vida, GIV e Rede de jovens SP+. Ainda que seja urgente esse enfrentamento, no meu entendimento, não é suficiente, pois precisamos de Políticas Públicas que garantam o acesso universal ao tratamento. Pode-se ter uma grande ONG apoiando a causa, o que significa imensamente para o movimento, mas o trabalho dela tem que ter respaldo nas políticas públicas do município, estado e do país.
Na minha experiência em coletivos e no movimento social, percebo que eles estão sujeitos às mudanças da sociedade, de seus participantes, de interesses, e podem mesmo ser extintos. Quando ocorrem essas mudanças pode acontecer uma alternância do objeto ativista do grupo, e isso é legitimo e necessário, enquanto as políticas públicas se mantêm relativamente perenes independente de termos menos organização social. Por evidente quanto maior a organização, maior a garantia de direitos, mas estes não podem depender apenas de um acontecimento social.
O meu processo militante também tem essa sazonalidade dos meus interesses imediatos. Já trabalhei em ações com ArtsEverywere, com a Plataforma Explode!, em Jundiaí com Cume, mais recentemente no Akuenda, no Homens que sentem e fui participante dA Revolta Da Lâmpada. Todas estas experiências moldam minha militância, mas como eu disse, ficamos num coletivo conforme o interesse que temos nas suas reinvindicações. O coletivo se forma de pessoas com diversas características e conforme as entradas de novas e as saídas que acontecem, dos interesses e da atuação.
O meu lugar na militância parte da reflexão das minhas experiências, por isso é natural que mude. Por exemplo meu interesse sobre falar sobre minha negritude e homossexualidade é diferente, até porque essas identidades já estão presentes no meu corpo influenciando como falo e sou ouvido. Me sinto mais motivado a falar sobre política, masculinidades, HIV/Aids.
Partindo dessa experiência pessoal, entendo que os coletivos passam por processos de mudanças e isso é fundamental para que deem conta de sua contemporaneidade, e a permanência neles acontece em trânsitos, que são favoráveis para oxigenar as militâncias. Porque quanto mais estanque estiver um grupo, mais ele consegue ler a sociedade que ele representa.