ELE

I.

Levantou-se. Dentro da privada, mescla de prazer e necessidade. A. se viu refletido no espelho pela primeira vez. Olhos ainda vermelhos, cabelo desgrenhado, suor na face e no torso nu. Ela abriu o chuveiro e, dessa vez, foi ágil ao manejar a temperatura da água. Sorriu. Pegou a primeira toalha disponível. Macia. Enxugou-se sem pressa, mas determinado. Toalha amarrada na cintura, encaminhou-se em direção à sala. Da escada, podia ver o outro deitado no sofá. Êxtase. Preguiça. Conforto. Um baseado no canto de sua boca, pronto para ser fumado. Sorriso. “Meu namorado tem esse mesmo pudor”, disse, com uma naturalidade desconcertante, sem se mexer do sofá. “Namorado?”, pensou A. Não deixou o pensamento, a revelação, chegar a superfície de seus gestos. Não estava surpreso. Nem triste. Sentou do lado do acompanhante, tomou-lhe o baseado e fumou. Da porta, permitiram-se um último beijo. A intimidade da última hora parecia pender em uma corda bamba. A despedida era inevitável. E mesmo assim um ritual estranho para A. Para o outro era o oposto. Ainda nu, pressionou-o para um último abraço, beijo, amasso. Apertou-lhe a bunda e disparou: “É natural?”. A. sorriu amarelo. O acompanhante não percebeu. “Genética”, disse, displicente. Porta fechada. Na rua, sacou de um bolso o celular. Notificações aleatórias. Do outro bolso, o fone de ouvido. A. precisava de um estímulo para marchar para casa. Encontrou a música e seguiu.

“I like digging holes and hiding things inside them
When I’ll grow old, I hope I won’t forget to find them
‘Cause I’ve got memories and travel like gypsies in the night
I build a home and wait for someone to tear it down
Then pack it up in boxes, head for the next…”


See also, by Alberto Pereira Jr:

#movingtarget

Please, touch me (PT/EN)

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